quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008



14 de fevereiro de 2008
N° 15510 - Nilson Souza


Primeira leitura

Alguns amigos, e até mesmo um incauto editor, já me sugeriram que passasse para o formato livro a seleção destas crônicas semanais. Pode ser até que venha a mudar de idéia, mas até hoje não me senti tentado a fazê-lo.

E não é por falta de vaidade - seria muita pretensão de minha parte achar que estou livre deste sentimento tão humano e tão comum entre os escribas de todos os calibres. O que me impede de cometer tal descalabro é uma conjugação de autocrítica com timidez e medo de trapacear.

Gosto de escrever, mas nem sempre gosto do que escrevo. E certamente me sentiria um fraudador se colocasse à venda, como novidade, uma edição de textos já publicados neste espaço.

Além disso, teria que assinar autógrafos. Já fiz isso uma vez, numa obra conjunta, e morri de vergonha. Não fui acometido em momento algum pela síndrome dos escritores famosos, que referem seguidamente o sintomático branco cerebral na hora de lembrar o nome de amigos e conhecidos.

No meu caso, o pânico era tão grande, que eu colocava o primeiro nome que me vinha à cabeça. Porém, como devia estar tremendo, a dedicatória ficava tão ilegível que ninguém voltou para reclamar.

O mais incrível dessa história é que o livro que escrevi na ocasião - em co-autoria, repito - acabou sendo o mais vendido da Feira naquele ano, levando o diabinho da vaidade a estufar o peito dentro do meu. Mas passou rápido como um calafrio.

Meu senso de realidade se encarregou do exorcismo. Desde então, só voltei a freqüentar filas de autógrafos pelo lado mais confortável, o de quem busca a firma alheia e tem tranqüilidade para bater papo com os companheiros de espera.

Ainda assim, aquele fatídico livro me proporcionou uma gratificação inesperada. Meses depois do seu lançamento, um senhor desconhecido me procurou no meu local de trabalho, apresentou-se, pediu que eu fizesse uma dedicatória para o filho de 11 anos e confessou:

- Esse foi o primeiro livro que ele leu do início ao fim.

Naquele instante, me senti uma espécie de J. K. Rowling, a autora de Harry Potter, que promoveu o milagre de levar milhões de pré-adolescentes à leitura obsessiva dos seus calhamaços de 600 páginas. Eu mesmo - confesso - li quatro da série e ainda pretendo ler os demais.

Então fica combinado assim: no dia em que eu tiver uma inspiração semelhante e me sentir em condições de escrever uma obra capaz de resgatar jovens do feitiço dementador da internet, prometo que supero todas as resistências internas e me coloco voluntariamente à disposição dos caçadores de autógrafos. Que modéstia, hein?

Com sol brilhante e muita gente bonita na praia, que tenhamos todos uma excelente quinta-feira.

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