terça-feira, 22 de janeiro de 2008



22 de janeiro de 2008
N° 15487 - Liberato Vieira da Cunha


E por falar em viagens

Escrever crônicas é viver em voz alta, dizia Rubem Braga. Ao que ouso acrescentar que, num jornal tão lido como Zero Hora, é também conhecer pessoas agradáveis e ser apresentado volta e meia a teses inusuais.

Libertei esses tempos no papel certos conceitos baldios sobre viagens. Uma dama que aqui chamarei de K. tomou da pena para declarar que as viagens são na real uma reverenda droga (em verdade, a palavra de que se valeu foi um tanto mais contundente).

Contou ela que chegou a ser uma turista de larguíssima milhagem, mas hoje a simples idéia de comprar uma passagem lhe provoca urticária.

Se você vai ao Exterior, argumenta, precisa estar no aeroporto duas horas antes da partida - e isso se não for época de apagão aéreo. A classe econômica dos aviões de longo curso é no geral uma lata de sardinhas.

Ninguém pode espichar as pernas, os cotovelos se colam e o serviço de bordo caiu na mesma proporção do lucro das empresas. Os hotéis, mesmo os carentes de estrelas, cobram os tubos. Nossa moeda é uma ficção.

E o pior: em toda excursão tem um chato que azucrina sem dó nem piedade a paciência de seus companheiros de jornada. Por essas e mais razões, K. não consegue entender como eu posso encontrar prazer no que em verdade é uma tortura móvel.

Bem, K., talvez pela infância que tive. Nas noites quietas de Cachoeira, a casa adormecida, eu ouvia o apito do trem noturno e me pegava sonhando com terras distantes.

Mais tarde, já em Porto Alegre, contemplava da sacada do apartamento os navios que singravam as águas do Guaíba, em demanda da lagoa, do oceano, do infinito universo que principiava além da barra de Rio Grande.

E escutava meus pais falando com seus amigos sobre a França, o país de sua terna predileção, que jamais chegaram a descobrir. (Da vez primeira em que pisei em Paris, pensei: não estou aqui por mim, mas por eles.)

Como percebes, K., é um negócio atávico.

Correr mundo é um castigo, como sustenta a tua teoria? Sinceramente, não creio. Até porque nas viagens, K., o tempo flui de um modo único e inimitável e não é raro que, em alguns minutos de plenitude, caiba a inteira eternidade.

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