quinta-feira, 25 de outubro de 2007



25 de outubro de 2007
N° 15398 - Nilson Souza


Borboletas

A menina de asas me olha submissa, ajoelhada sobre a mesa do gabinete de trabalho, no recanto mais solitário da minha casa.

É neste local que atravesso madrugadas tentando extrair das teclas do computador algum texto legível.

Muitas vezes busco inspiração na sua doce figura. Ela me encanta mas não me engana: sei que a qualquer momento vai dar um sorriso maroto e levantar vôo. É o seu destino. É, também, o meu.

Ganhei o bibelô de presente de uma amiga cheia de sabedoria, que teve o cuidado de me advertir por escrito:

- Não te esqueças que um dia a menina dos teus olhos vai virar borboleta.

Guardo sua mensagem como um lembrete daqueles que se pendura na geladeira. De tanto ver, a gente o incorpora na paisagem e finge que não está lá - até que precisa dele.

Então, a realidade cobra o seu preço e não resta outra saída senão enfrentá-la. Eu sempre soube que a menina dos meus olhos alçaria vôos, como fazem todos os adolescentes, impulsionados pela urgência de viver esse período irrepetível da existência.

São borboletas inquietas, que querem experimentar o néctar de todas as flores antes que a primavera da vida se dissipe.

De festa em festa, elas vão se afastando. Ignoram nossas advertências e nossas apreensões, e vão conquistando espaço, sob o pretexto irrefutável da autonomia:

- Como vou aprender a me defender se não me deixam atravessar a rua sozinha?

Cansei de ouvir argumentos como esse, cheios de razão, mas insuficientes para me fazer largar seu pulso.

Numa cidade de ruas tristemente enfeitadas por borboletas brancas, o sentimento de proteção fala mais alto. Ainda assim, não se pode deixar de ouvir a voz do grilo falante que habita o fundo da nossa alma:

- Deixa-a voar!

Uma vez eu estava brincando com ela, criança, num parque da cidade, quando uma borboleta de verdade pousou no meu braço. Virei estátua por um instante, para não espantar o inseto, e lembro até hoje que ela riu muito da cena.

Jamais esquecerei aquele riso, que fazia lembrar o príncipe loiro de Saint-Exupéry. Durou pouco a magia daquele momento.

Aquela borboleta, momentaneamente atraída pelo calor do meu corpo ou pelo sal do meu suor, logo voou em busca de algo mais aprazível.

Nunca dei significado maior à insólita ocorrência. Hoje, porém, olho para a menina de asas e me dou conta de que a borboleta do parque também me trazia um recado eterno naquela tarde ensolarada de sábado: - Aproveita o dia!

Uma excelente quinta-feira para todos nós, se Deus quiser e Ele haverá de querer.

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