sábado, 1 de junho de 2024


01 DE JUNHO DE 2024
ARTIGOS

AS IRAS DE SÃO PEDRO

Anos atrás, em tempos de longas estiagens, em que rios e lagos quase secavam ou diminuíam os caudais, era comum dizer que São Pedro tinha se esquecido de nós. Noutras vezes, com chuvas incessantes e enchentes, dizíamos que São Pedro se esquecera de fechar a torneira das nuvens. As expressões não tinham qualquer sentido nem se referiam ao Apóstolo. Numa brincalhona metáfora, atribuíam a ele culpas por algo que ninguém explicava.

Em meados do século passado, a ciência descobriu que as enxurradas e as estiagens (alternando-se entre si) eram provocadas pelas mudanças climáticas. Surgiram os negacionistas, atribuindo o fenômeno a "algo natural", inerente à existência do planeta.

As enchentes em nosso Estado já completaram um mês. As sequelas não desaparecem e atingem tragicamente não só a economia, mas especialmente as pessoas.

Reaparecem nas epidemias que as inundações espalharam, deixando rastros por toda parte. De um lado, o lodo nos prédios invadidos pela água e a destruição dos pertences, de móveis a automóveis; de outro, a ameaçadora leptospirose e outras doenças derivadas da mistura de água com fezes humanas ou de animais.

As mudanças climáticas previstas pela ciência se desenvolveram e cresceram. As enchentes de agora são consequência de nossa cegueira e nosso desdém pela natureza. "As águas ocuparam o lugar dos bosques e florestas", lembrou o geólogo Rualdo Menegat.

Em rios e lagos, as matas ciliares foram substituídas por construções e edifícios elegantes. O desmatamento na Amazônia se reflete aqui, onde saímos de longa estiagem e passamos a vítimas de inundações jamais vistas.

A enchente de 1941 foi já um pré-aviso da crise climática, mas nada sabíamos, nem a expressão existia. Porém, ao sermos alertados pela ciência, nada foi feito para atenuar as consequências. Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo preferiu colorir o muro de contenção da Avenida Mauá do que conservá-lo para resistir à agua invasora. Nem sequer pensou em bombas, emprestadas agora pela Sabesp de São Paulo.

São Pedro não tem culpa. Cegos somos nós.

DARCI HARTMANN

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