segunda-feira, 14 de outubro de 2024


14 de Outubro de 2024
CARPINEJAR

O tradutor de desejos

Foi Washington Olivetto que fez. Você se lembra do comercial do Garoto Bombril: "Bombril tem mil e uma utilidades"?

Foi Washington Olivetto que fez. Seus bordões entravam no imaginário popular, alavancando marcas e extrapolando suas expectativas de venda. Quem não recorda: "o amaciante Bijou tem dois perfumes enquanto o outro tem um só"?

Ele transformou a propaganda brasileira. Antes dele, ela se resumia a minutos perdidos entre um programa e outro na televisão. Depois dele, houve toda uma geração que esperava o suspense e o impacto do intervalo comercial. Suas peças com breves histórias batiam em audiência a própria novela.

O publicitário paulista Washington Olivetto faleceu ontem, aos 73 anos, no Rio de Janeiro, e deixa um vácuo na cultura pop. Não há quem tenha sido mais icônico. Olivetto passou a ser sinônimo de inteligência, de refinamento, de pensamento crítico do mercado (autor de livros como Direto de Washington: W. Olivetto por Ele Mesmo).

Dois de seus comerciais brasileiros estão no panteão dos cem maiores do mundo. Um deles é o que mostra uma série de dados extraordinários de um determinado governo, como o aumento do PIB e a erradicação do desemprego, para revelar ao final que se trata de feitos de Adolf Hitler.

Ele desconstruía as aparências, mostrando o quanto podemos ser seduzidos por tiranos. Ou por enganos.

Sabendo de sua influência, jamais trabalhou em campanha política. Para não se arrepender depois, recusava de antemão qualquer vínculo eleitoral. Sem ter concluído a graduação (pela Fundação Armando Álvares Penteado - Faap), tornou-se um dos publicitários mais premiados de todos os tempos. Ganhou o Clio Lifetime Achievement Award em 2014, um dos prêmios de maior prestígio da publicidade mundial, e levou para casa mais de 50 Leões de Ouro no Festival de Cannes.

Sua antiga agência, a W/Brasil, alcançou tamanha popularidade que até virou música de sucesso de Jorge Ben.

Ele também modificou o entendimento do futebol. Na condição de vice-presidente de marketing do Corinthians, nos anos 1980, formalizou o Movimento Democracia Corinthiana, em que jogadores, liderados por Sócrates, Casagrande e Wladimir, decidiam assuntos internos com votação entre os atletas (por exemplo, onde ficariam na concentração e premiações de vitórias e títulos).

Eu me encontrei com ele em três oportunidades. Senti que o maior comunicador gráfico e textual do país era, em sua essência, um bom ouvinte. Apesar do estrelato e da sua importância histórica, não se apresentou vaidoso, cheio de si. Tinha todos os motivos para ser, e pretendia me escutar, queria conhecer a minha origem, entrar em minha alma.

Humilde, explicava que aprendia fazendo, que consertava o avião em pleno voo. Olivetto foi um sujeito tímido, que penetrava na identidade das pessoas pela apurada observação. Eu perguntei qual tinha sido a lembrança fundadora de sua sensibilidade.

Ele me contou que, na infância, ficou isolado durante um ano por ameaça de poliomielite. Trancado no quarto, longe da escola, sem contato com os amigos, começou a decifrar as expressões dos rostos dos familiares para entender o que estava acontecendo. A solidão permitiu que desenvolvesse o dom de ler desejos e antecipar tendências.

Uma doença que não existiu desencadeou a saúde criativa de um mestre. _

CARPINEJAR


14 de Outubro de 2024
CLÁUDIA LAITANO

Ainda aqui

Havia duas plateias na estreia de Ainda Estou Aqui no Festival de Nova York: a dos brasileiros e a do resto do mundo. Meu palpite é que cada um desses públicos assistiu a um filme diferente na última quarta-feira. Enquanto a plateia local acompanhava uma trama envolvente, com boas chances de faturar troféus em festivais e até uma indicação ao Oscar, os brasileiros assistiam ao filme nacional mais importante deste século. Nada menos.

Apostar que os aplausos mais entusiasmados em Veneza ou em Nova York vieram da plateia brasileira presente nos dois festivais não diminui em nada os méritos do filme de Walter Salles. Pelo contrário. Se os crimes cometidos contra Eunice Paiva e sua família nos comovem de forma especial é porque, para nós, o significado histórico da obra ultrapassa suas qualidades cinematográficas. E dizer isso não é dizer pouca coisa.

A história é menos conhecida do que deveria. O engenheiro Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado cassado em 1964, mora em frente ao mar, no Leblon, com a mulher, Eunice (Fernanda Torres), e os cinco filhos. Não está mais envolvido com política, mas ajuda como pode os que estão exilados ou na clandestinidade por combaterem a ditadura. Sabe que corre algum risco, mas sente-se razoavelmente seguro por ser uma figura pública e por não ter qualquer tipo de conexão com a luta armada. 

No dia 20 de janeiro de 1971, seis homens invadem sua casa, e Rubens Paiva é levado para depor. A mulher e a filha de 15 anos, Eliana, também são presas. Eunice passa 12 dias na prisão sem saber por quê. O marido nunca mais volta. Anos depois, os militares que torturaram e mataram Rubens Paiva foram identificados, mas nunca responderam pelos crimes. Seu corpo nunca foi encontrado.

Esse não é o primeiro filme a expor os crimes da ditadura, mas é um dos primeiros a tocar no assunto depois dos pedidos de intervenção militar e da tentativa de golpe de 2023. O filme de Walter Salles também é um dos poucos a retratar o período não a partir da ação de quem combatia a ditadura, mas desde o ponto de vista de uma família estraçalhada pela truculência do regime militar.

Em um país que nunca soube ajustar as contas com o passado, a história está sempre correndo o risco de ser apagada - ou de se repetir. Ainda Estou Aqui é o filme brasileiro mais importante deste século porque chega aos cinemas em meio a um inacreditável surto de amnésia coletiva. O perigo ainda está aqui. 

CLÁUDIA LAITANO

14 de Outubro de 2024
JULIANA BUBLITZ

Atriz porto-alegrense na pele de Elis Regina

Gaúcha de Porto Alegre, a atriz Thainá Gallo se prepara para um baita desafio: interpretar Elis Regina em Tom Jobim Musical, com estreia dia 17 no Teatro Casa Grande, no Rio. A torcida é para que a peça venha ao RS.

- Viver Elis Regina nos palcos, naquele momento específico da carreira dela, é um presente desafiador. A gente vê uma Elis diferente ao lado de Tom. Ela precisou se equalizar à energia dele, à energia que a bossa nova pedia. Não é a Elis furacão, é a Elis no seu momento mais maduro. Nesse álbum, ela é precisa e econômica, sem perder a complexidade e exuberância, e o desafio está justamente aí - diz a atriz, que também é cantora e dubladora.

Experiência, Thainá tem de sobra. Ela autuou nos espetáculos Cássia Eller, O Musical e O Frenético Dancin? Days. Na TV, participou de novelas como Pantanal, A Força do Querer e Segundo Sol, na Globo, além de atuações em séries e filmes. _

Saúde (em) crônicaVila Betânia

A antiga Casa de Retiro Vila Betânia, da Arquidiocese de Porto Alegre, está se abrindo para o turismo religioso e para visitantes em busca de paz, simplicidade e contato com a natureza.

Construído nos anos 1950, o prédio deixou de ser restrito a padres e a seminaristas e, até o fim de 2024, deve receber uma nova operação gastronômica, inspirada no Café da Catedral, no Centro Histórico.

Natureza

O prédio fica ao lado da Gruta Nossa Senhora de Lourdes, revitalizada em 2022, e do Hospital Divina (antigo Divina Providência), no bairro Cascata. A área é rodeada de mata nativa e lembra um refúgio no Interior.

Estive lá e conversei com a gestora e curadora do espaço, Letícia Huff. Ela já havia sido convidada pela Arquidiocese para administrar o salão nobre da Catedral Metropolitana e abrir o famoso café. Deu tão certo que o local virou ponto turístico na Capital, do ladinho do Palácio Piratini.

Desde 2021, Letícia tem o desafio de tornar a Vila Betânia sustentável financeiramente, abrindo as portas ao público sem perder a essência:

- Decidimos atuar como pousada, mantendo os retiros, e passamos a receber eventos corporativos, sempre respeitando as características locais e em comunhão com a fé católica .

Sessenta apartamentos foram reformados e receberam nova mobília, inclusive camas de casal, opção antes inexistente. São acomodações simples (não se encaixam no perfil de quem busca luxo), com diárias na faixa dos R$ 100 aos R$ 200.

Gastronomia

Toda a comida é feita lá e esta é uma das apostas da curadora para os próximos meses.

- Está nascendo a ideia de criar algo no jardim, que é lindo, com mesas e cadeiras sob as árvores. A intenção é seguir o modelo do café, com ótima gastronomia e ambiente acolhedor. Meu sonho é que esse lugar se torne mais conhecido e visitado - diz a gestora. _

Com trajetória de 30 anos na medicina, o oncologista e pesquisador Stephen Stefani vai agora compartilhar sua experiência como escritor.

Na próxima sexta-feira, em comemoração ao Dia do Médico, ele lança o livro Saúde (em) Crônica, na Livraria Santos do Pontal Shopping, em Porto Alegre, às 19h30min.

A obra é uma coletânea de mais de 60 textos já publicados em veículos de imprensa, sobre temas presentes na rotina do médico da Oncoclínicas do Rio Grande do Sul. Com escrita fluente e acessível, Stefani aborda desde as emoções e angústias dos pacientes até a responsabilidade profissional de quem dedica a vida à área da saúde. _

Aquarela poética - Prevenção sempre

É hoje à noite a festa de 70 anos da Liga Feminina de Combate ao Câncer do RS, com o espetáculo Força Rosa, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre.

Além de celebrar, é importante se cuidar. O ambulatório da Liga RS no Hospital Santa Rita, na Santa Casa da Capital, oferece exames preventivos gratuitos (de mama e colo de útero), de segunda a sexta-feira, das 7h às 12h e das 13h30min às 15h. Informações: (51) 3213-7311. _

Prestes a completar 25 anos de carreira, a artista gaúcha Lilian Maus vai dar um curso de aquarela. Será especial para iniciantes, com o famoso "bê-á-bá", como se dizia antigamente.

Chamada de A Poética das Águas, a oficina será entre 19 e 26 de outubro, em Porto Alegre. Inscrições no site eventbrite.com.br. _

Juliana Bublitz

14 de Outubro de 2024
EDITORIAL

Ainda em busca de fôlego

Apesar da rápida recuperação de alguns dos principais indicadores da economia gaúcha, a permanência da alta demanda por crédito das empresas do Estado afetadas pela enchente de maio demonstra de forma clara que, para este grupo, ainda haverá um longo caminho para o pleno reerguimento. São milhares de empreendedores, de todos os portes, que cinco meses após a tragédia climática seguem buscando financiamento de programas dos governos federal e estadual. Os dados do Painel da Reconstrução, desenvolvido pelo Grupo RBS, bem ilustram esta alta procura. Até a semana passada, o financiamento contratado chegava a R$ 17 bilhões, como mostrou reportagem publicada na edição de fim de semana de Zero Hora.

A linha mais demandada é a BNDES Emergencial. Alcança recursos para capital de giro, compra de maquinários e equipamentos ou investimentos estruturais. Foram firmadas 4,9 mil operações, que emprestaram R$ 10,6 bilhões. Levantamento semelhante, divulgado no dia 6 de setembro, apontava um montante de R$ 7,5 bilhões. Nota-se, portanto, que em um período pouco superior a um mês, o montante direcionado para as companhias atingidas nessa modalidade subiu 40% - ou R$ 3,1 bilhões. Ainda seria preciso compreender melhor se a demanda se acelerou nas últimas semanas ou, devido à lentidão dos processos de aprovação, mais contratos foram assinados agora.

Também resta nítido que a maior necessidade é fôlego financeiro imediato. Das três opções do BNDES Emergencial, a maior avidez é por recursos para capital de giro. Até gora, foram R$ 8,5 bilhões contratados. No início de setembro, o total chegava a R$ 6,15 bilhões. Trata-se de uma modalidade empregada especialmente para compromissos mais urgentes. É preocupante que, apesar de transcorridos mais de 150 dias da enchente, ainda existam empresas que estão à espera desta espécie de primeiros socorros financeiros. Esta linha é destinada desde a microempresas a grandes grupos.

Voltado apenas a micro e pequenos negócios, o chamado Pronampe Solidário liberou um volume menor de recursos, mas em uma quantidade bem maior de operações - 32 mil. São, até aqui, R$ 3,2 bilhões contratados. Ainda assim, é uma linha que permanece relevante, como explicou à reportagem Wilson Marsaro, sócio da transportadora Marsaro, de Canoas, na Região Metropolitana. Ele calcula um prejuízo de R$ 500 mil com os alagamentos. O empresário recebeu no dia 4 de outubro um crédito de R$ 150 mil, o teto da modalidade. Usou para pagar salários e outras contas atrasadas. É um caso ilustrativo do quanto perduram os transtornos para muita empresas afetadas pela cheia histórica. Alarma o fato de, cinco meses depois, ainda existirem negócios com compromissos de curto prazo pendentes.

São situações que voltam a chamar atenção para a importância de buscar reduzir a burocracia usual para atender em um prazo razoável os empreendedores castigados pela catástrofe climática. Ainda há pontos sem a devida solução que dificultam o acesso aos recursos, como a necessidade de apresentar garantias, uma impossibilidade para quem viu a água arruinar seus bens. O tempo para a ajuda chegar é decisivo para um negócio se recuperar ou sucumbir. 


14 de Outubro de 2024
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

O que é uma empresa de benefício público, formato das que desenvolvem IA, que deve ser adotado pela OpenAI?

É semelhante a uma empresa B. A diferença é de que as empresas B precisam se certificar para serem consideradas assim. A OpenAI foi criada como empresa sem fins lucrativos e agora está se constituindo como de benefício público. E está colocando nos estatutos que o benefício é para a humanidade.

O que significa exatamente?

Ninguém sabe. O que a Open- AI e outras companhias parecem querer dizer é que essa tecnologia é tão importante para o mundo que precisam de estrutura que permita fazer isso.

Qual é a vantagem?

Pode ter a ver com accountability (prestação de contas). Se for processada, pode argumentar que não existe apenas para maximizar o lucro dos acionistas, mas também para maximizar o ganho para a humanidade. Ninguém sabe o que significa. Mas a empresa consegue se defender de processos judiciais dizendo que age no interesse de todos. O fato de a OpenAI não ter fins lucrativos era muito estranho.

 Quais companhias já são de benefício público nos EUA?

Existem 15 empresas de capital aberto nessa categoria. Uma é a Avon, que é da Natura. Estranho é as startups tecnológicas de topo ocuparem esse espaço. É uma tendência. Ninguém sabe se há uma visão nefasta ou de duplo sentido. Podem ter boa intenção. Mas ainda precisamos ver.

E qual é a prestação de contas desse tipo de negócio?

Nos Estados Unidos, existe grande pressão por parte de acionistas e dos advogados dos requerentes, algo que não existe no Chile, na Argentina e no Brasil, por exemplo. Companhias com capital aberto como Tesla, Google e Microsoft costumam enfrentar muitas demandas judiciais. Quando a empresa é de benefício público, é fechada, fica menos exposta a isso.

Seria uma posição defensiva?

Estamos em um novo território. Precisamos entender qual é o objetivo. O que dizem é que a tecnologia pode mudar o mundo. E isso seria tão importante que não poderia privilegiar só acionistas. Há duas visões: uma é a intenção dos investidores de maximizar o lucro, outra é pessoas que querem segurança. Por isso, outras empresas de inteligência artificial, como a Anthropic, também são de benefício público. Isso permite prestar menos contas a investidores.

Não agrega falta de transparência a um tema já opaco?

Sam Altman (fundador da OpenAI) foi demitido (recontratado por pressão de investidores como a Microsoft) por falta de transparência. A OpenAI diz que está criando um fundo de benefícios a longo prazo, que vai nomear um conselho para privilegiar a humanidade. Não sabemos se é verdade. Temos de cuidar para não maximizar o interesse de poucos. Talvez não seja uma má estrutura, mas na OpenAI, não funciona.

Adianta regular?

Para privilegiar a segurança, é preciso ter regras globais. Mas é difícil de concretizar. Há uma corrida entre EUA e China em que a Europa pesa pouco. A Califórnia tentou, mas não conseguiu, houve lobby das big techs. Elon Musk sempre falou sobre regulação, por acreditar que a inteligência artificial é perigosa. Agora, ele tem a xAI. Tudo é muito geopolítico, porque, se o que dizem for verdade, se a IA pode mudar tudo, quem vencer será mais poderoso do que todos os demais. É por isso que a governança é tão importante. É perigoso que Sam Altman tome decisões para o resto do mundo.

Sam Altman assinou manifesto por regulação, não?

Sim, mas, ao assinar, a empresa se consolida e consegue matar outras que vêm atrás. Quem pode ser regulado tem recursos para seguir regras muito onerosas para outros. Sam Altman é provavelmente o mais astuto captador de recursos. Mostrou que tem a capacidade de sobreviver e fazer US$ 157 bilhões. Mas tem muitos esqueletos no guarda-roupa, não só com a OpenAI. Se o conselho decidiu tirá-lo, por algo foi.

Mesmo assim, quase todas as empresas apostam em inteligência artificial. É um risco?

É parecido com outras ondas de tecnologia. As diferenças são essa nova estrutura, de empresa de benefício público, e a valorização. Há 10 anos, era impossível um hectocorn (startup com valor acima de US$ 100 bilhões). E também que isso tudo ocorresse fora do mercado aberto. Não sabemos o que empresas multibilionárias com presença em todo o mundo fazem. _

Respostas capitais - Evan Epstein

Diretor-executivo e professor adjunto do Hastings College of the Law da Universidade da Califórnia, com 15 anos de experiência no Vale do Silício

"Se a IA pode mudar tudo, quem vencer será mais poderoso do que todos os demais"

Evan Epstein dirigiu um centro de governança corporativa ligado à Stanford Law School e, em 2017, fundou a consultoria Pacifica Global. Mesmo com esse currículo, não vacila em usar a expressão "ninguém sabe" sobre gestão das empresas de inteligência artificial. Nesta entrevista, explica os motivos.

GPS DA ECONOMIA

14 de Outubro de 2024
EM FOCO

Democratização, evasão e disfunção

Na análise de Artur Jacobus, vice-reitor da Unisinos, o aumento de alunos em cursos de EAD pode ser visto de forma negativa. Apesar de o modelo ser uma forma de democratizar o acesso ao Ensino Superior, ele aponta que existe alto índice de evasão entre os estudantes e que o desempenho em avaliações, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), é inferior ao de alunos de cursos presenciais.

- É preciso entender, valorizar a possibilidade de que mais pessoas possam cursar o Ensino Superior, e a modalidade a distância permite isso, é positivo, mas, na nossa visão, tem uma certa disfunção. O EAD deveria ter papel complementar, não deveria ser a principal forma de ingresso no Ensino Superior no Brasil ou em qualquer outro país - aponta Jacobus.

O Conselho Consultivo para o Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (CC-Pares) avalia a qualidade do Ensino Superior e a possibilidade de nova regulamentação que exija maior qualidade do EAD. _

Percentual de alunos matriculados em educação a distância no RS chega a 58,35%, o segundo maior entre as unidades da federação. Especialista aponta correlação entre redução de oferta de financiamento e diminuição do modo presencial

Presença de universitários em cursos EAD cresce no Estado

Os dados anuais do Censo do Ensino Superior, realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que o RS é o Estado em que essa parcela de estudantes mais cresceu nos últimos 10 anos. De 2014 para 2023, foi registrado aumento de 39,6 pontos percentuais entre os universitários gaúchos que estudam de forma remota.

Segundo os dados apresentados, dos 9,9 milhões de estudantes no Ensino Superior, no ano passado, o Brasil registrou 49,25% (4,9 milhões) de alunos na modalidade a distância e 50,75% (5,06 milhões) no modelo presencial. A diferença entre as duas formas em 2023 era de apenas 150.220 matrículas.

O número de alunos presenciais foi superado em 2022 no RS, quando 55% (316.462) das matrículas universitárias eram em cursos EAD. Porém, o histórico mostra que a presença de universitários em cursos a distância já vinha de uma crescente desde 2016.

- Houve aceleração ainda maior a partir de 2017, quando foi bastante desregulamentada a EAD no Brasil, com menor exigência em relação aos polos. E existe uma correlação, que já foi verificada: o fato de não haver formas de financiamento ao ensino presencial faz com que os alunos busquem o ensino a distância - explica Artur Jacobus, vice-reitor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e representante do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).

Em 2015, houve mudanças nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o que teve reflexos no número de universitários matriculados em cursos de EAD. Para Jacobus, os dados mostram clara correlação entre a diminuição da oferta do Fies e o aumento de alunos em curso de EAD:

- Claramente, tem correlação entre queda, ou diminuição, ou, praticamente, suspensão da oferta de financiamento estudantil público e o crescimento da educação a distância. Porque é uma alternativa. O aluno que não tem quantidade de recursos suficiente para pagar educação presencial, que é mais cara, acaba optando pelo ensino a distância.

O maior crescimento, em comparação com os outros Estados, de universitários em cursos de EAD no RS também tem relação com o perfil da população.

Flexibilidade

A presidente do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), Lúcia Teixeira, relaciona o aumento ao ciclo da educação básica.

- O que a gente vê em relação aos Estados e no Rio Grande do Sul, é que o número de concluintes do Ensino Médio continua caindo, ou seja, de jovens. Os jovens são aqueles que mais estão nos cursos presenciais, enquanto nos cursos a distância, a gente tem prevalência daqueles que têm mais de 30 anos. Então, como menos jovens se formam no Ensino Médio ou precisam trabalhar por causa da situação econômica, só depois eles vão estudar. E aí, muitas vezes, procuram o EAD, que é mais barato e tem flexibilidade de horários, podem estudar de qualquer lugar. 

Beatriz Coan


14 de Outubro de 2024
INFORME ESPECIAL Rodrigo Lopes

Israel erra ao atacar a ONU

Israel tem o direito à autodefesa após ter sofrido o maior atentado de sua história, em outubro de 2023. Tanto o Hamas quanto o Hezbollah, dois grupos terroristas, usam as populações de Gaza e do sul do Líbano, respectivamente, como escudos humanos, o que não justifica excessos nem dá direito a Israel de atacar as Nações Unidas, desrespeitar o direito internacional e infringir a inviolabilidade dos capacetes azuis.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu erra o cálculo ao se arvorar o condão de redesenhar as fronteiras do Oriente Médio e buscar estabelecer uma nova ordem regional. Seu governo não apenas rasga as garantias de convivência entre as nações como desqualifica o único caminho viável no dia seguinte da guerra, para o qual não há plano até agora.

A ONU falha em não garantir a paz global, é atropelada pela realpolitk, tornou-se um condomínio em que regras são facultativas para alguns, no qual António Guterrez é um síndico desprezado. Mas, quando e se um dia os canhões silenciarem no Oriente Médio, se não forem as Nações Unidas a assumir o papel de interlocutora para uma paz duradoura, veremos, rapidamente, o ressurgimento dos grupos terroristas. Não espere essa função da Autoridade Nacional Palestina ou da Liga Árabe, vozes moderadas, mas não atores independentes.

Ao violar a Unifil, a quem se socorreu em 2006, Israel caminha na direção de tantos exércitos libertadores que se transformaram em ocupantes. Em 2003, George W. Bush ordenou a invasão do Iraque como extensão da guerra iniciada após os atentados de 11 de setembro de 2001. Do Afeganistão, que abrigava Osama bin Laden, ampliou o conflito ao Iraque, à época uma ditadura sanguinária, mas que não tinha nada a ver com os aviões jogados contra os EUA.

O mundo é melhor sem Saddam Hussein, assim como seria melhor sem os aiatolás do Irã ou os terroristas do Hezbollah e do Hamas. Mas a guerra de Netanyahu, assim como a de Bush, pode se tornar um pântano. Por maior que seja a capacidade militar da única potência nuclear do Oriente Médio, sem apoio internacional Israel fica menor - e mais vulnerável. _

Os bastidores do poder gaúcho

A próxima visita especial de final de semana ao Palácio Piratini será nos próximos sábado e domingo. Na ocasião, os visitantes poderão conhecer as alas governamental e residencial da sede do governo do Estado. O agendamento prévio será aberto a partir de hoje, ao meio-dia, no site do Piratini (palaciopiratini.rs.gov.br). No sábado, a atividade será realizada em três momentos: às 9h, 10h e 11h. No domingo, o passeio ocorrerá às 10h, 11h, 14h, 15h e 16h. Em todos os horários, haverá mediação de servidores do Palácio, que contam a história da edificação e contextualizam obras do acervo e detalhes arquitetônicos. Serão disponibilizadas 35 vagas para cada grupo. O roteiro é oferecido um final de semana por mês a quem não pode visitar o palácio em dias úteis. A entrada é gratuita. _

Antissemitismo no Brasil

A Stop Hate Brasil, organização dedicada a promover a prevenção contra a radicalização online, identificou 16 mil publicações de cunho antissemita na rede social X em oito meses, desde os atentados terroristas de 7 de outubro de 2023 em Israel.

- Estudos indicam que o antissemitismo é a porta de entrada para a radicalização das pessoas. Preocupados com o risco, iniciamos a pesquisa - explica a coordenadora do estudo, Michele Prado.

Foram buscadas expressões como apologia ao nazismo, a Hitler, a terrorismo e antissemitismo, entre outras. _

Diferenciação necessária

Michele Prado, coordenadora da pesquisa, ressalta que, durante o estudo, foram verificadas quais publicações realmente se tratavam de antissemitismo e quais eram críticas consideradas legítimas ao governo de Israel. Após arquivado, o material está sendo encaminhado à Polícia Federal. 

O perfume do 4º Distrito

Está perto de o 4º Distrito, uma das regiões mais atingidas pela enchente em Porto Alegre, ter um perfume para chamar de seu. Na próxima quarta-feira, a partir das 18h, no Fuga Bar, a associação dos empresários da região escolherá, entre três opções, a fragrância exclusiva que irá marcar esse momento de superação da área. _

Diálogos sustentáveis

Gestão sustentável das empresas e impactos positivos nos negócios serão o tema de debate organizado pelo Instituto Latino Americano de Desenvolvimento Econômico Sustentável (Ilades) em 31 de outubro. O presidente da entidade, Marcino Fernandes Rodrigues Jr., receberá a diretora de Negócios Sustentáveis do banco Santander, Esther Unzueta Dominguez, e o diretor-geral da CMPC Brasil, Antonio Lacerda, a partir das 8h30min na Associação Leopoldina Juvenil, em Porto Alegre. Inscrições pelo email dialogosilades@gmail.com. 

INFORME ESPECIAL

sábado, 12 de outubro de 2024



12 de Outubro de 2024
MARTHA

Era uma vez, duas, três

Agradeci, dei uma trelinha para compensar o tempo que ele havia perdido escrevendo aquela mensagem que mais parecia um currículo, mas não me aventurei, jantei em casa.

Lembrei desta história quando, semana passada, recebi um e-mail de outro desconhecido. Vou trocar seu nome, mas a mensagem era a seguinte: Meu nome é Giba, há muito tempo desejo conhecerla pessoalmente ou algumas palabras no celular.

Escreveu apenas isso - no cabeçalho, não no corpo do e-mail, que veio vazio. O retrato da penúria, a síntese desses tempos. Ele preferiu matar o assunto rapidinho. Se apresentar para quê? Revelou apenas o apelido e não se preocupou em explicar se o uso do estrangeirismo era erro de digitação ou resquício do idioma natal. Eu que lutasse.

É comum as pessoas reclamarem que tudo dá errado para elas, culpando as conspirações cósmicas, que nunca alinham com seus planos. O Giba ficou sem uma resposta privada, mas inspirou essa crônica de utilidade pública: não se passa no vestibular chutando as questões, não se vai bem numa entrevista de emprego sendo monossilábico. Tem que se puxar. Fazer valer o investimento.

Quem teve um poema publicado em uma revista, enviou uns 25. O turista que conseguiu uma passagem de avião barata ficou a madrugada inteira pesquisando promoções. Lembra quando dependíamos de ligações telefônicas para empresas que só davam ocupado? Quantas horas tentando, tentando, até ser atendido? Que bets, que nada: a melhor aposta é em si mesmo.

Não somos prêmios para ninguém, não estamos em promoção, mas o exemplo do Giba serve de alerta: quem almeja algo, seja o que for, não pode ser tão preguiçoso. Que se dedique um pouquinho, até para demonstrar que tem alguma noção sobre as dificuldades da vida. Eu imagino o Giba deitado numa cama às quatro da tarde, abatido, entediado, escrevendo aquelas duas linhas entre uma soneca e outra. Já o carioca que perambulou pela Patagônia voltou a me escrever mais uma, duas, três vezes, e acabamos namorando. Não durou para sempre, mas foi divertido. Quando a persistência encontra a confiança, dá match. 

MARTHA

60 MAIS

- Um absurdo. Muito tempo perdido. Tenho que voltar a estudar - constatou. Empresário aposentado, Naujorks segue atuando como assessor imobiliário e corretor de imóveis, além de ter uma ativa rotina de exercícios físicos, mas sentia que faltavam atrativos para preencher seus dias. Acompanhar o neto pré-adolescente à escolinha de futebol lhe despertou uma paixão antiga e, a poucos meses de completar 70 anos, ele decidiu realizar um sonho: está cursando a graduação em Educação Física.

Me sinto jovem ainda, motivado, encorajado, valorizado - descreve.

A idade não o impede de traçar mais planos a médio e longo prazos. Ex-jogador de futebol amador, Naujorks pretende trilhar uma nova carreira assessorando técnicos, garimpando talentos ou treinando a gurizada no futebol de campo ou no futsal.

Tenho muito para contribuir. Meu foco é viver até os 90 anos com saúde mental e física. Acredito em aliar a experiência dos mais velhos e dos mais jovens. Com respeito, podemos trabalhar juntos, nos auxiliar e somar - afirma o aluno de primeiro semestre do Centro Universitário Fadergs.

Descobrir algo novo

- Aposentar-se da carreira principal não é se aposentar da vida e de outros sonhos e desejos. É muito importante continuar com planos. Enquanto temos objetivos, estamos vivos, saudáveis, buscando - afirma Simone. - O que ele (Naujorks) está fazendo é superpositivo: realizar um sonho, descobrir algo novo - aponta.

Simone é professora e costuma testemunhar, em sala de aula, os inúmeros benefícios da convivência entre diferentes faixas etárias.

- Precisamos trabalhar mais a questão intergeracional na nossa sociedade. Isso vai gerar uma aceitação maior dos idosos. Cada vez mais, vamos precisar nos acostumar e interagir com diversas idades. O conhecimento, o histórico dos mais velhos contribui muito para os mais jovens, assim como a agilidade de pensamento, a criatividade e a inovação dos mais jovens ajuda as pessoas idosas - comenta a psicóloga.

Troca de experiências

- A troca de experiências e a socialização auxiliam na aprendizagem. O idoso que chega à faculdade terá desafios novos. Isso será saudável para o processo de envelhecimento dele e para os jovens também, que vão ouvir uma pessoa extremamente experiente, trocar ideias sobre a vida e habilidades socioemocionais - observa Eliane.

Desafios também se apresentam ao novato, ressalta a pedagoga. Se o idoso nunca fez uma graduação antes ou está há décadas longe dos bancos escolares, necessitará de um período de adaptação. A rotina de estudante inclui leituras, horas de concentração para estudar, realização de provas e atividades em grupo, apresentação de trabalhos. Aspectos tecnológicos do cotidiano também podem ter impacto, considerando-se as habilidades de cada um.

- O estudante vai precisar construir algumas habilidades que ficaram adormecidas, se organizar no tempo, fazer um cronograma. Pode ter uma dificuldade ou outra, mas, se for empoderado e ativo, vai superá-las com ajuda dos professores e dos colegas - afirma Eliane.

Hoje em dia, o ensino não é unilateral nem individual, destaca a pedagoga. Trata-se de um trabalho coletivo. A idade é apenas um detalhe.

- Não vamos olhar o aluno idoso, com 70 anos. Vamos olhar o aluno. Um sujeito de direitos, com capacidade de aprender. Não existe isso de "as pessoas não aprendem". As pessoas aprendem dentro das suas possibilidades. Quem dera tivéssemos mais idosos na sala de aula - conclui Eliane. _

60 Mais Larissa Roso 


12 de Outubro de 2024
J.J. CAMARGO

Quando alguém, movido por algum estímulo generoso e desconhecido, encantado com sua própria lavra, resolve apostar na remota possibilidade de tornar-se famoso, ele tem ou devia ter a noção de que a fama pretendida é uma enorme improbabilidade. Verdade que uma parcela expressiva de autores estreantes começa escrevendo para satisfazer a si próprio, e mantém-se assim, reconhecido apenas para o círculo de parentes e amigos, o que antecipa o risco de opiniões contraditórias, somando-se às dificuldades naturais de separar os amigos verdadeiros daqueles que parecem ser, mas nada de juramento. E sempre haverá alguém que estimulado por um comentário favorável aqui, outro ali, possa ser mordido pela fantasia de tornar-se conhecido.

Ninguém pode se considerar livre desse risco, haja vista a frequência com que pessoas aparentemente maduras são consumidas por este delírio. Algumas delas, depois de um tempo e muitas consultas aos livros de autoajuda, que estimulam a ideia de que "se você não fizer por si, quem o fará?", resolvem levar a sério um projeto que machucaria menos se nunca ultrapassasse o limiar que quimera.

Como qualquer desistência é difícil, por que consiste em admitir o que de fato somos, alguns autores, em protesto pela sustentada condição de ignorados crônicos, resolvem persistir indefinidamente na perseguição a essa meta, que resultará ao longo do tempo na subtração de muitos pontos na escala pessoal da autoestima.

Quanto tempo pode durar essa insistência é imprevisível, por que esperança e birra são sentimentos pessoais e inegociáveis. No meio do caminho, entre os que recuam e reassumem a condição de autores exclusivos de diários pessoais, e no outro extremo, aqueles de depois de tentativas frustradas, possuídos de fúria, decidem queimar tudo o que escreveram, situam-se alguns de alma serena, que alimentam a coluna dos leitores dos jornais com textos inteligentes e bem resolvidos.

As redes sociais, desprovidas de senso crítico, o que lhes permite aceitar tudo o que alguém se proponha a postar, abriram as portas para uns tipos curiosos. Há os inconformados que esses leitores insensíveis deixem de lê-lo só porque ele não é famoso e resolvem adotar uma estratégia que se tornou rotineira nos últimos anos: tomam emprestado, sem consultar, o nome de um autor famoso e, protegidos pelo biombo da invisibilidade, ficam curtindo, com um risinho maroto, a admiração e os elogios dos tolos ludibriados.

Luis Fernando Verissimo, na sua genialidade bem-humorada, chegou a admitir que algumas vezes gostaria de ter escrito o texto que lhe atribuíram. Mario Quintana, Eduardo Galeano e Pablo Neruda são também vítimas frequentes. O problema é que o escritor escolhido para ser esse tipo improvisado de pombo-correio precisa ser conhecido, e quanto mais famoso ele for, mais detratores da falsificação estarão disponíveis.

E existirão aqueles que, por puro deboche, selecionam autores clássicos para ironizá-los com textos ridículos, como se os séculos de sucessos não os imunizassem. Mas na verdade eles, provavelmente, pretendem apenas arrancar pelo riso de um desconhecido uma frágil vingança para compensar a sua silenciosa decepção. 

J.J. CAMARGO

12 de Outubro de 2024
CARPINEJAR

O privilégio de ter nonos

Não há nada mais delicioso na vida do que ter nona e nono por perto. Minha nona materna partiu cedo, quando eu tinha sete anos. Meu nono mais cedo ainda, quando eu tinha três anos. Não convivi com eles durante a adolescência. Foi só um pouco da infância, e já transbordaram em mim.

Se você conta com a possibilidade de desfrutar dos avós mais demoradamente, aproveite a dádiva. Não adie encontros: visite, acolha, converse, compartilhe a mesa, as confissões e a varanda.

Nono e nona são denominações afetuosas para quem é patrimônio afetivo da família. Indicam a sabedoria do afeto. Correspondem a promoções da velhice, títulos outorgados àqueles que adoçam o coração.

Minha nona mantinha algumas fixações em seus hábitos. Ao se deparar com qualquer cena bonita, ela queria eternizá-la em porta-retratos:

Rende um bom postal!

Tanto que ela espalhava as pequenas molduras com cavalete pelas cômodas e estantes. Reunia um museu de seus mortos e vivos pelos corredores, não distinguindo-os entre si, pois o amor reinava sobre o tempo.

Ela também, como gringa genuína de Guaporé, entendia comida como presente. Vivia oferecendo salame, queijo, pão e pêssegos ou figos em calda de aniversário. Montava uma cesta básica para engordar o celebrante. Após suportar duas guerras mundiais, valorizava o alimento como herança. O produto se originava de fabricação caseira, feita pelas próprias mãos. Ela já preparava as encomendas rezando e agradecendo pela nossa saúde.

Da mesma forma, fazia questão de tricotar malhas para as crianças. Com cores vibrantes de Frida Kahlo, destoando dos trajes sóbrios que usava.

Meu primeiro blusão amarelo veio de suas agulhas de plástico. Ela concedia os agasalhos fora das datas festivas, como uma surpresa para enfrentar o inverno.

Não deixava nenhum neto escapar das tarefas domésticas. Não estávamos ali para ser servidos. Diferentemente dos pais, acreditava que a infância se habilitava a ajudar. Ninguém poderia permanecer parado, ocioso, com os pés levantados no sofá.

Despertávamos cedo para retirar os ovos do galinheiro, e nenhum de nós reclamava. Ficávamos horas escolhendo e colhendo os morangos na horta, e nenhum de nós reclamava. Éramos escalados para cortar cebola, tomate, temperinho verde na tábua da cozinha, e nenhum de nós reclamava. Juntávamos achas de madeira para a provisão noturna, e nenhum de nós reclamava. Sua voz nos pedia com tanto carinho que nunca soou como ordem, mas como convite para dividir a intimidade.

Eu dormia feliz por ter sido útil, eu dormia fundo porque eu havia colaborado com todos.

Os avós não são os que permitem tudo aos netos, mas os que disciplinam os netos, desde cedo, a assumir responsabilidades.

Jamais me esquecerei daquele fogão a lenha crepitando no meio da sala, com polentas e queijos na chapa. Ou daquela avó no centro do mundo, aquecendo o meu futuro.

Quando minha mãe voltava para pegar seus quatro filhos, sempre perguntava para a avó Elisa:

- Eles deram muito trabalho?

E ela respondia, com um sorriso bondoso:

- Pelo contrário, eles dividiram o trabalho comigo.

A mãe pensava que ela estava mentindo. Jamais desconfiava que virávamos outras pessoas na casa da nona. 

CARPINEJAR


12 DE OUTUBRO DE 2024
COM A PALAVRA - Sonia Consiglio

COM A PALAVRA

Jornalista, palestrante e escritora, reconhecida em 2016 pelo Pacto Global da ONU como "SDG Pioneer"

"Houve um despertar das lideranças para a importância da agenda ESG"

Jornalista, palestrante e escritora, Sonia Consiglio foi reconhecida pelo Pacto Global da ONU como "SDG Pioneer", uma das 10 pessoas que impulsionam o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ela falou a ZH sobre práticas ESG.

Sofia Lungui

O que mudou nos últimos anos que amplificou a discussão sobre ESG?

A pandemia foi uma virada de chave do ponto de vista das empresas, mostrando que essas questões são mais estratégicas e menos operacionais. Essa questão de saúde colocou a economia em lockdown, e os líderes perceberam que o mundo é interligado. Houve um despertar das altas lideranças, dos conselhos, dos CEOs que ainda não estavam atentos, para a importância da agenda ESG do ponto de vista estratégico. De olhar para essa agenda não como uma lista de afazeres, mas como as questões sociais e ambientais podem impactar o meu negócio. E tem movimentos anteriores à pandemia que já vinham acontecendo. Muitos riscos se materializaram, com os desastres ambientais que vimos acontecer, e oportunidades foram criadas em torno dessa agenda. Muitas empresas perceberam que estavam perdendo dinheiro e oportunidades por não olharem para a agenda ESG.

Você acredita que a enchente no Rio Grande do Sul influenciou de alguma forma a visão das empresas sobre ESG?

Sem dúvidas. Para as empresas que já estavam engajadas na agenda, houve um aumento da conscientização, porque o que aconteceu no RS foi extremo. Nunca tínhamos visto uma devastação tão grande como essa. As empresas já conscientes ligaram ainda mais o alerta. Quem estava fora dessa discussão teve um despertar. Esse evento é um marco na agenda de conscientização sobre a gravidade das mudanças do clima. É um sinal de alerta definitivo para o setor empresarial e público também, assim como a sociedade civil.

Qual a relação disso com o conceito de "cisne verde", que se refere à crise financeira gerada pelas mudanças climáticas?

Esse conceito aborda como uma tragédia climática, como esta que devastou cidades inteiras no RS, afeta a questão financeira, social e ambiental. As empresas têm de ter lucro, mas ele não pode mais ser baseado só em variáveis econômico-financeiras. Porque os desastres ambientais e sociais também impactam no financeiro. Se a empresa não estiver gerenciando os seus riscos socioambientais, está colocando em risco o retorno financeiro. A lógica é mudar a gestão empresarial, trazer essas variáveis para o seu acompanhamento, para a sua mitigação. 

As empresas precisam ampliar o olhar para questões sociais e ambientais, e isso já está acontecendo. Assim surge esse conceito dos cisnes verdes. Quando a gente fala de ESG, de sustentabilidade, é uma transformação de modelo de mundo. Pessoas, meio ambiente e a forma como a gente faz as coisas, que é a governança, passaram a influenciar o capitalismo. Aí entra o capitalismo consciente, responsável, o capitalismo de stakeholder. Independentemente do nome adotado, é um novo capitalismo.

Que lacunas você percebe no setor privado em relação à implementação da agenda ESG?

Quando a gente separa as três letras, temos um desafio grande no "S" do ESG, que trata sobre pessoas. Precisamos pensar em como trabalhar direitos humanos na cadeia de valor, nos fornecedores e nos funcionários, de uma forma mais efetiva. Mas eu gosto de juntar as três letras. Precisamos usar a lente da sustentabilidade de uma forma holística, e trazer essas questões no planejamento estratégico da empresa. Se você continua olhando só para o ponto de vista financeiro no planejamento, você terá problemas a curto prazo. Tem um desafio grande do ponto de vista de mercado que impacta na gestão empresarial.

? Quais mudanças estão acontecendo dentro das empresas, na prática, que servem como bom exemplo?

O Brasil foi o primeiro país do mundo a aderir, por meio da Comissão de Valores Mobiliários, às normas do International Sustainability Standards Board. As empresas estão muito atentas a isso, e isso vai trazer uma mudança absurda na forma como olhamos para a sustentabilidade. 

A International Financial Reporting Standards Foundation criou essas duas primeiras normas para a elaboração de relatórios de sustentabilidade. Com isso, as empresas terão de publicar as informações sociais, ambientais e de governança junto das informações financeiras. Isso será obrigatório a partir de 2027, ou seja, as informações relativas ao ano de 2026. Isso vai mexer muito com o mundo da contabilidade. Atualmente, não é feito dessa forma, é tudo separado. 

O relatório de sustentabilidade é voluntário, inclusive. Por isso, nem sempre temos um padrão comparável. Isso significa que a partir de 2026 vamos acabar com o mundo paralelo da sustentabilidade, do ponto de vista de publicação de informações, da transparência. Conforme nós vamos acelerando esses movimentos de criação de mercado e de estabelecer novas regras, vamos mudando a lógica de que essas questões são voluntárias. Esse movimento não é algo voluntário, mas sim algo essencial para os negócios.

Quanto dessas iniciativas se concretiza, de fato? Muito se fala de greenwashing por parte das empresas, de um discurso ambiental que fica só no papel.

Um ponto importante é de que agora começam a surgir regras, como essas normas internacionais. São formas de estabelecer critérios para que as empresas possam se declarar socialmente e ambientalmente responsáveis. Tem fundos de investimento sendo multados, porque nos panfletos dizem uma série de coisas que não correspondem à realidade, conforme critérios definidos pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). 

Essa é uma forma de tentar coibir os washings. Outro aspecto é o controle social muito maior do que temos hoje. Se uma empresa vem a público dizer que ela faz uma coisa que ela não faz, ela pode ser penalizada fortemente, pode ser cancelada, gerar um movimento nas redes sociais. Por isso, as organizações estão mais atentas a essas questões, evitando exagerar nas narrativas, porque já vimos muitos casos que deram errado. O lado bom é a visibilidade que esses temas ganharam.

Essa pressão exercida pelos jovens e pelas redes sociais tem surtido efeito nas práticas das empresas?

Com certeza. Da pandemia para cá, o mundo virou digital. O que não era acabou se tornando digital. Uma pesquisa recente da Orbit mostra as redes sociais que mais estimulam conversas sobre sustentabilidade, e a primeira da lista é o TikTok. Instagram e YouTube também. Então, não tenho dúvidas. 

A rede social hoje é onde nós pressionamos e valorizamos as empresas também, principalmente em relação a essas temáticas. E a geração Z já vem com o chip da sustentabilidade, eu sempre brinco. Essa é uma das coisas que me animam, porque estamos fazendo essa transição de modelo e já temos uma geração que chega mais consciente, mais preocupada com o impacto ambiental, que vai acelerar essa transformação. 


12 de Outubro de 2024
MARCELO RECH

Outras vozes das urnas

Além de apontar eleitos e candidatos ao segundo turno, as urnas do 6 de outubro desenharam algumas pistas sobre a realidade e o futuro político do país. Aqui alguns dos efeitos colaterais da eleição.

Abstenção - Está na hora de encarar a realidade. O alto índice de não comparecimento - em Porto Alegre chegou a quase um terço do eleitorado - demonstra que, na prática, o voto obrigatório caiu por terra. Menos de 20 países mantêm a obrigação de ir às urnas, um ato que deveria ser encarado como direito, e não como dever. A obrigatoriedade resulta também em alto número de votos nulos e em branco, além de estimular currais eleitorais. O voto facultativo tende a elevar o nível das eleições, uma vez que candidatos e partidos são compelidos a convencer primeiro o eleitor de que vale a pena comparecer às urnas.

Os grandes vencedores - Um nome consagrado nesta eleição não recebeu um voto sequer. É Gilberto Kassab, criador e mentor do PSD, partido que mais capturou prefeituras. Foram 877, entre elas o cobiçado Rio de Janeiro. Um contorcionista político de raro faro eleitoral, Kassab consegue, ao mesmo tempo, ser o principal secretário e conselheiro do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e manter três ministérios no governo Lula. Contrariando a tese da polarização, o centro foi o grande vitorioso. MDB e PSD foram os mais votados, com mais de 10 milhões de votos cada.

Marçalismo - É cedo para dizer que o estilo mafioso de fazer campanha veio para ficar. Se não for preso ou tornado inelegível, Pablo Marçal terá uma expressão nas próximas eleições, mas sempre é bom lembrar que São Paulo, celeiro de políticos de renome, também nutre criaturas políticas exóticas, como os campeões de votos Tiririca e Enéas. O principal efeito de Marçal foi evidenciar que a extrema direita não é mais território exclusivo de Jair Bolsonaro.

Esmaecido - No mapa nacional de votos, não há mais manchas vermelhas da esquerda, mas apenas pontinhos isolados. O PT e o esquerdismo se saíram um pouco melhor do que a lavada de 2020, passando de 182 para 284 prefeituras, mas o avanço ocorreu quase todo em pequenas cidades do Nordeste. Recife é a única capital com vitória até agora de um partido de centro-esquerda, mas é difícil carimbar a marca de esquerdista no fenômeno João Campos.

Bateu asas - Os votos tucanos saíram em revoada. Na maioria dos Estados, o PSDB derreteu e, com ele, a chance de voo nacional do governador Eduardo Leite caso permaneça no partido ou não haja fusões em série nos próximos meses. É o fim de uma era, a da polarização PT x PSDB. _

MARCELO RECH

12 de Outubro de 2024
CONSELHO EDITORIAL - Nelson P. Sirotsky

Publisher e presidente do Conselho da RBS

Jayme, 90 anos

Na condição privilegiada de sobrinho, sócio e amigo, eu já teria motivos suficientes para homenagear Jayme Sirotsky neste 13 de outubro, data em que o Presidente Emérito do Grupo RBS completa 90 anos de vida. Mas prefiro deixar em segundo plano o parentesco, a parceria empresarial e a amizade para destacar outra razão mais relevante para a homenagem que compartilho com os leitores deste espaço habitual de reflexões jornalísticas: Jayme é hoje, muito provavelmente, o brasileiro que mais contribuiu para as liberdades de imprensa e de expressão em nosso país, no continente sul-americano e em boa parte do mundo democrático.

Primeiro latino-americano a assumir a presidência da mais representativa entidade jornalística do planeta, a Associação Mundial de Jornais, Jayme Sirotsky alcançou em 1996, em Washington, o ponto mais alto de sua militância em entidades associativas comprometidas com a liberdade de imprensa e com a independência da indústria editorial.

Antes, ele já havia prestado inestimáveis serviços a entidades dedicadas à liberdade de informar e empreender. No Estado, participou de todas as associações ligadas ao jornalismo impresso, ao rádio, à televisão e à publicidade. Nacionalmente, apoiou e presidiu entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Também foi diretor da Sociedade Interamericana de Imprensa (Sip) e, nessa condição, esteve entre os cem especialistas reunidos no México, em 1994, para elaborar e aprovar a Declaração de Chapultepec, carta de princípios que oficializou as liberdades de expressão e de informação como direitos inalienáveis dos povos e das sociedades democráticas. Posteriormente, com envolvimento pessoal e habilidade diplomática, conseguiu que sucessivos presidentes do nosso país reconhecessem e aderissem oficialmente às recomendações do documento.

Em paralelo, dedicou-se visceralmente à comunicação no Rio Grande do Sul e a nossa empresa em particular. A RBS deve muito do que é hoje a Jayme Sirotsky, que participou ativamente da construção do grupo desde o seu início, ao lado de seu irmão Maurício Sirotsky Sobrinho. Referência de conhecimento e ética, ele tem sido ao longo da história da empresa um dirigente seguro, um conselheiro sereno e uma inspiração para todos nós.

Do ponto de vista pessoal e familiar, sou muito grato ao tio que acompanhou meu pai no registro de meu nascimento e que sempre esteve ao meu lado em todas as horas, especialmente nos momentos difíceis. Entre as muitas virtudes de Jayme, gosto de destacar três que o tornam uma pessoa muito especial. A primeira é sua disposição para agir: está sempre pronto para tentar, para experimentar e para empreender. A segunda característica que admiro nele é a sua curiosidade. Quer saber de arte, de literatura, de tecnologia, de meio ambiente, de qualquer coisa que represente novidade. E um terceiro aspecto que destaco em sua personalidade é o humor. Mesmo nos momentos delicados, sempre encontra uma palavra suave, uma brincadeira, uma tirada qualquer que acrescente mais sabor à vida.

Jayme Sirotsky é reconhecido como um diplomata da comunicação e um militante incansável das liberdades e da democracia, mas eu o considero - acima de tudo - um ser humano extraordinário, que conjuga ética, elegância e bom humor, razões pelas quais chega aos 90 anos tão amado e respeitado por familiares, amigos e admiradores. E no mundo todo - de sua Passo Fundo natal aos recantos mais distantes do planeta, por onde continua transitando com sua sede de conhecimento e de aventura.

Por tudo isso, nesta data tão significativa, quero deixar aqui registrado que é uma honra para todos nós continuar contando com a presença, com o dinamismo, com o aconselhamento e com o bom humor deste jovem de 90 anos. 

CONSELHO EDITORIAL

12 DE OUTUBRO DE 2024
DISPUTA ENTRE PODERES

DISPUTA ENTRE PODERES

Deputado vai ao STF contra PEC que afeta julgamentos da Corte

Disputa entre poderes

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá a oportunidade de se manifestar sobre o projeto que pretende dar ao Congresso a prerrogativa de revisar julgamentos da Corte. Os ministros consideram a mudança uma forma de interferência indevida e inconstitucional na jurisdição do tribunal. Esse é considerado o ponto mais sensível do chamado "Pacote Anti-STF".

O deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) pediu a suspensão urgente da tramitação da proposta. Ele afirma que o projeto é uma "ameaça real e séria à conformação institucional do Estado democrático de direito".

"A tramitação da matéria se dá ao preço da violação da autonomia do Poder Judiciário, em sua dimensão organizacional e de procedimento", diz um trecho do pedido.

O projeto compõe o pacote de medidas para alterar o funcionamento do STF, aprovado nesta semana pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Com o aval da CCJ, o projeto poderá ser analisado por uma comissão especial.

Emenda

Qualquer alteração sobre a chancela de decisões dos ministros do STF precisa ser aprovada na forma de emenda constitucional, o que demanda maioria qualificada na Câmara e no Senado.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não pretende, por enquanto, acelerar a tramitação dos projetos, segundo interlocutores. 


De âncora a possível acelerador

Uma das âncoras que manteve a inflação dentro da meta no ano passado, os alimentos exercem pressão inversa em 2024. Com mudança climática intensa, que vai desde aguaceiros até estiagens severas, esse grupo acende alerta para o potencial da alta geral de preços no fim deste ano e possibilidade de novo estouro do teto da meta, após breve pausa no ano passado.

O ramo de alimentação em casa acumula alta de 6,27% em 12 meses fechados em setembro no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No mesmo período do ano passado, apresentava queda de 0,78%. Mas o cenário era diferente, com safra melhor, seca menos intensa, preços internacionais em retração e custos menos pesados aos produtores.

Agora, esse segmento está bem acima da média. O IPCA de setembro mostrou que a inflação acumula alta de 4,42% em 12 meses - apenas 0,08 ponto percentual abaixo do teto da meta estipulada para 2024.

Como os alimentos concentram um dos maiores pesos dentro do indicador, a escalada pode gerar projeção de inflação acima do esperado.

Um dos itens que chama a atenção dentro do grupo de alimentos em setembro é o composto pelas carnes, uma das principais fontes de proteína nas mesas das famílias. Na avaliação de especialistas e do IBGE, a falta de chuva e o clima seco afetam a oferta do produto. Além disso, o período de entressafras se soma a esse cenário, inflando os preços. O problema é de que esse aumento de preços ocorre em um cenário de demanda menor em algumas classes econômicas.

Juro no radar

Resta saber como uma eventual alta mais intensa da inflação vai afetar a dinâmica do novo ciclo de alta do juro básico no país. Para a próxima reunião, que ocorre em novembro, parte do mercado enxerga um aumento de 0,5 ponto percentual na taxa - hoje em 10,75% ao ano.

A soma de inflação acima do esperado com economia que desacelera em ritmo lento aumenta a expectativa sobre a força dos próximos acréscimos na Selic e até quando essa nova etapa de alta seguirá. _

O dólar atingiu o maior patamar em um mês, com alta de 0,5%, para R$ 5,615. Fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil voltou a afetar a percepção sobre risco fiscal.

Aluguel desacelera

O preço do aluguel em Porto Alegre subiu 0,35% em setembro, menor alta desde junho, quando começaram a ser sentidos os efeitos da enchente. Foram registrados resultados históricos em julho e agosto, com aumento de preço de 3,45% e 3,85%, respectivamente, maiores de toda a série do Índice de Aluguel QuintoAndar Imovelweb, iniciada em 2019.

- O que se vê é uma acomodação. Precisa acompanhar para entender se é tendência - afirma o gerente de Dados do Grupo QuintoAndar, Thiago Reis. _

Serviços com pé no freio

Se de um lado a Pesquisa Mensal de Serviços, divulgada sexta-feira pelo IBGE, reforça sinais de desaceleração da economia do país, com recuo de 0,4% no setor de serviços, de outro, camadas do indicador apontam que o consumo das famílias segue aquecido e freando queda maior.

Fica a dúvida de até quando esse movimento vai seguir diante de um cenário cada vez mais restritivo no horizonte. Inflação e juro iniciando novo ciclo de alta são alguns dos pontos que reforçam esse ambiente de desconfiança. _

Metade ainda luta contra enchente

Pesquisa da Fecomércio-RS mostra que 54% do setor atacadista gaúcho ainda não está financeiramente recuperado da enchente de maio. Entre as empresas que seguem operando com efeito da enxurrada, 78,3% preveem ao menos mais de três meses para se reerguer (veja tabela ao lado).

Realizada de 12 de agosto a 28 de setembro, a pesquisa ainda indica que 92,5% dos entrevistados foram atingidos pela cheia, sendo 21,3% diretamente, e 71,2% indiretamente.

Período necessário para se recuperar

tempo %

Até três meses 21,7

Três a seis meses 35,6

Seis meses a um ano 33,7

Um a dois anos 9

GPS DA ECONOMIA